segunda-feira, 7 de junho de 2010

Pesquisa USP mostra que, na hora de criar os filhos, pais têm dificuldade em agir de acordo com o que acreditam ser correto

Especialistas lembram que os erros fazem parte do processo de educação e que o importante é sempre buscar o diálogo

Fonte: Correio Braziliense-06/06/2010

Dizem que a melhor forma de educar é dando o exemplo. Uma pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), porém, mostra que nas famílias brasileiras anda reinando um outro método: o tradicional “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. De acordo com o estudo, os pais têm um discurso muito correto na hora de educar os filhos, mas admitem que tomam atitudes exatamente opostas na tentativa de botar os pequenos no caminho correto.

Segundo a autora do estudo, a pedagoga Luma Caetano, a grande maioria dos pais, quando questionada sobre que valores considera importantes para ensinar aos filhos, demonstrou estar ciente da maneira correta de educá-los. “No discurso, os pais se preocupam em ensinar o respeito mútuo, a importância do diálogo e a necessidade de arcar com as consequências de seus atos. Entretanto, nas atitudes concretas, a situação não é tão simples”, conta. Na hora de botar em prática, muitos pais acabam agindo exatamente da maneira oposta. A maioria dos entrevistados(1) afirmou, por exemplo, que valoriza o diálogo com os filhos, mas quase 70% acham certo utilizar castigos físicos para puni-los (veja outras respostas abaixo).

A pedagoga alerta que parte do problema está na complexidade cada vez maior da missão de educar as crianças. “Acredito que isso se deva ao fato de a educação de uma pessoa implicar em um processo longo, árduo e bastante complexo”, afirma. Na contramão dessa tendência, ela lembra que os pais têm um tempo cada vez menor para dedicar aos pequenos. “A correria do dia a dia acaba causando uma certa negligência em relação ao tempo gasto com os filhos”, completa.

De acordo com a pesquisadora, a maior dificuldade dos pais está na hora de agir de uma maneira justa com as crianças. Nas situações em que os filhos desrespeitam as regras estabelecidas e os pais precisam tomar alguma atitude, todo o discurso sobre o diálogo e a importância de arcar com os próprios atos acaba ficando em segundo plano. Muitos responsáveis optam por castigos meramente punitivos e que não têm nenhuma relação com o erro cometido pelo filho. “Essa atitude que os pais tomam, chamada comumente de castigo, não deve ter a finalidade de fazer sofrer aquele que é punido, mas algo que lhe ensine que o seu comportamento foi inadequado e que, por isso, precisa arcar com as consequências do seu ato”, sugere a pesquisadora.

Realistas
Ana Cristina Cruvinel, 41 anos, mãe de Felipe, 6, admite a dificuldade na hora de educar o filho. “A gente vai aprendendo a resolver os problemas à medida que eles são apresentados. Por mais que a gente queira ser a melhor mãe do mundo, tem horas que a gente erra. Existem situações em que não sabemos o que fazer”, conta Ana, que é professora. “A gente sabe que é importante conversar, mas tem horas que não dá, e a gente acaba perdendo a paciência”, reconhece.

Para ela, o caminho para aliar discurso e prática foi impor limites ao filho desde pequeno. “Normalmente, a gente tem de recorrer a essas atitudes que não são boas quando a criança passa do limite. Com o Felipe, eu trabalho para não chegarmos a esse ponto. Desde pequeno eu converso com ele e procuro ensinar. Hoje, enquanto muitas crianças são indisciplinadas, ele é bem tranquilo. Muita gente acha que com dois ou três aninhos, eles ainda não entendem, mas entendem sim. Se você trabalhar desde essa fase, o risco de errar depois é menor. Assim, nós sofremos menos”, conta a mãe.

Na opinião da psicóloga Alessandra Arrais, a postura realista de Ana Cristina é a mais recomendável. “Existe aquele mito da supermãe, que tem amor incondicional pelo filho e que nunca erra. Os pais precisam ter em mente que são seres humanos, tão sujeitos a erros quanto os próprios filhos”, afirma. Para ela, é impossível não cometer erros com as crianças. “Eu sempre desconfio quando ouço um pai dizendo que nunca gritou ou nunca perdeu a paciência com o filho. O importante é ter em mente que isso não está certo e tentar evitar ao máximo esse tipo de situação”, aponta.

Ela lembra ainda que a relação entre pai e filho deve ser de confiança mútua, e que, portanto, os pais precisam ser honestos com eles. “Pode ser até uma oportunidade de crescimento para as duas partes. Quando perder o controle, após se acalmar, sente com seu filho, peça desculpas e explique para ele que você não agiu corretamente”, ensina. “Assim, você ensinará várias lições para ele. A de que ele não deve voltar a repetir aquela atitude e a de que todos estão sujeitos a erros, mas que é importante admiti-los e arcar com as consequências deles”, completa.

Persistência e preparo são as palavras-chave para a pedagoga especialista em didática Lúcia de Melo. “A teoria é sempre mais fácil que a prática, mas os pais não devem esmorecer. Por mais que pareça difícil, é importante tentar sempre”, opina. Para ela, embora seja impossível não cometer atitudes erradas com os filhos, é importante se conscientizar da importância de buscar sempre agir da maneira mais correta. “Nem a melhor mãe do mundo consegue acertar sempre. O importante é se policiar sempre para não errar tanto. Um grito ou um tapa pode até resolver na hora, mas a longo prazo só pioram a situação”, conclui.

1 - Retrato nacional
No estudo, foram ouvidos 860 pais e mães de todas as regiões do país. Desses, 16,5% eram moradores do Centro-Oeste. As entrevistas foram realizadas no ambiente escolar — 54,8% na rede pública e 45%, na privada. Os pesquisadores preocuparam-se também em ouvir pessoas de diferentes classes sociais.

Perguntas

Existe uma certa dicotomia entre o que os pais dizem aos filhos, e como eles agem?

Os pais parecem se posicionar em relação a algumas questões do questionário de modo politicamente correto. Ou então poderia-se dizer que a maneira que pensam ser correto. Entretanto as questões que dizem respeito ao modo de agir acabam denunciando as dificuldade inerentes ao processo de educar.

A que você atribui essa dificuldade?

Acredito que isso se deva ao fato, exatamente, da questão inerente ao processo. A educação de uma pessoa implica em um processo longo, árduo e bastante complexo. Os pais precisam ter esse objetivo, ou seja, educar, bastante definido e consciente diariamente. Assim, é possível não ser incoerente. Todavia, nem sempre os pais de hoje em dia possuem a clareza dos seus objetivos ao educar. A correria do dia-a-dia, a vida profissional, a luta pela sobrevivência, acabam providenciando uma certa negligencia em relação ao tempo que se deve gastar com os filhos e a atenção requerida por um dialogo. A educação ética está fundamentada no conhecimento e na valorização de regras, como, por exemplo o respeito a si mesmo e ao outro. Para isso, desde cedo, as crianças necessitam conhecer boas regras e conviver com pais que façam valer diariamente essas regras.

Em que aspecto essa dificuldade é maior?

A maior dicotomia aparece em relação a temática da justiça nas relações.
Quando as regras não são cumpridas, os pais precisam tomar atitudes em relação aos filhos, que os façam compreender que uma regra não foi cumprida, e por isso, algo devera ser feito por ele, para que a regra tenha a sua autoridade restituída. Entretanto, essa parece ser a maior dificuldade dos pais.

Tomar a atitude certa, na hora certa. Não uma atitude apenas para punir o filho desobediente, mas, uma atitude que promova a formação do adolescente.

Essa atitude que os pais tomam, chamada comumente de castigo, deve ser uma atitude não para fazer sofrer aquele que 'e punido, mas algo que lhe ensine que o seu comportamento foi inadequado e que por isso arcará com as consequências do seu ato. Portanto, é necessário que haja relação entre o ato punido e a própria punição. Caso contrario, a punição acaba sendo considerada apenas o pagamento pelo comportamento inadequado e, caso se possa pagar o preço, o culpado acaba se sentindo livre para fazer o que não deve novamente.

Alem disso o dialogo e a reflexão com os filhos sobre as suas atitudes, os seus pensamentos, as regras e os valores, são sempre imprescindíveis, por incentivarem a reflexão, a tomada de consciência, e a possibilidade de tomada de perspectiva do outro. É muito justo com os filhos que os pais se preocupem em faze-los refletir e compreender as consequências dos seus próprios atos para consigo mesmos e para com os outros também.

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