domingo, 26 de agosto de 2012

Numa bela história de consultório, o sorriso de Mateus que virou o jogo.


O psiquiatra Fábio Barbirato dá consultoria para a peça “Quase normal”, curso para pais na Casa do Saber e relança “A mente de seu filho” com três novos capítulos

RIO - Pai de Bruno, de 2 anos, Barbirato está há 13 anos à frente de um projeto comovente, no setor de psiquiatria infantojuvenil da Santa Casa. Ele começou sozinho e transformou o serviço em referência. Atualmente são 35 profissionais e uma clientela estimada em mais de dez mil pacientes com diagnósticos de TOC, depressão, déficit de atenção, autismo e transtornos de ansiedade. Para o médico, que assina a consultoria de “Quase normal”, em cartaz no Teatro da Gávea, peça que mostra a rotina e as dificuldades de pessoas bipolares, esconder as doenças psiquiátricas debaixo do tapete nunca é a melhor solução. Lembrando que houve uma mudança grande na vida de pais e filhos, diz que a busca desenfreada pelo sucesso está impactando cada vez mais a saúde mental de crianças.
Filho único de pai pediatra, desde cedo ele desenvolveu um olhar amoroso para as crianças. Tentou seguir outros caminhos, cursou comunicação na PUC, mas, com o passar do tempo, as crianças voltaram a povoar seu universo. Membro da Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência e da Associação Brasileira de Psiquiatria Infantil, ele afirma que a qualidade do tempo que os pais passam com os filhos é muito importante.
— O pai ou a mãe pode passar o fim de semana grudado com o filho sem lhe dar nenhuma atenção, lendo jornal ou falando no celular, por exemplo. Isso não interessa. É melhor estar com seu filho uma hora por dia, todos os dias, do que estar junto 24 horas, mas a criança de um lado e você de outro. Sem troca, não adianta ficar junto.
Nos últimos anos, o médico percebeu o aumento de casos de depressão e ansiedade na infância.
— A quantidade de crianças que atendemos que precisam passar nos vestibulinhos é muito grande. Eles sofrem uma pressão enorme para entrar em escolas como o Pedro II ou o Colégio de Aplicação da Uerj, mas, muitas vezes, não estão preparados psicologicamente. Tem escola que exige letra cursiva perfeita de uma criança com 4 ou 5 anos. Não pode. Existem áreas do cérebro que ainda não estão desenvolvidas nessa idade. E assim, quanto mais se exige dessa criança, mais chance ela tem de desenvolver quadros depressivos e ansiosos. Estudos mostram que crianças expostas a esse estresse desde pequenas têm maior probabilidade de desenvolver depressão na fase adulta — diz Barbirato, que escreveu em parceria com a mulher, Gabriela Dias, também psiquiatra, o livro “A mente do seu filho”, com nova edição prevista para sair pela Casa da Palavra até o final do ano.
Para o psiquiatra, é urgente que as crianças tenham de volta a infância.
— Até 12 anos, eu brincava de Playmobil, mas hoje uma criança que brinca de Playmobil é tachada de infantil. As crianças estão deixando de ter infância, e isso geralmente é uma exigência dos pais, sempre procurando as dez primeiras escolas do ranking para seus filhos. Até os 6 anos de idade, a criança só precisa brincar. Acho absurdo uma criança com 7 ou 8 anos ter cinco professores. Há também escolas que não deixam os alunos chamarem a professora de tia, mas esse “tia” é importante porque dá sensação de acolhimento e segurança.
Barbirato conta que, nos grupos da Santa Casa, 70% do trabalho são à base de terapia, sem medicação.
— Remédio, só nos casos mais graves. Antigamente, era raro atendermos crianças com menos de 6 anos, mas hoje conseguimos identificar crianças com autismo a partir de 1 ano e meio. E há também a Síndrome de Asperger, que tem as características do autismo clássico, com menos comprometimento. Ambos têm em comum questões sociais, da linguagem e do comportamento. Mas a característica social das crianças com Síndrome de Asperger é que parecem adultos em miniatura, falam muito bem (ao contrário dos autistas), mas não conseguem perceber que estão brincando com elas, não entendem figura de linguagem, metáfora e duplo sentido, nem o sarcasmo e a ironia. Em matéria de comportamento, também podem ter ilhas de interesse. Se gostam de uma coisa, ficam repetindo aquilo e, às vezes, são rotuladas de chatas.
Mas o médico afirma que há grandes possibilidades de essas crianças se reintegrarem.
— Quando o diagnóstico é feito até os 3 anos, o prognóstico de sucesso é superior a 80%. Isso acontece, inclusive, com crianças que têm autismo clássico que podem sair do quadro mais grave, passar para Síndrome de Asperger e ter uma vida normal.
E observa, ainda, que os pais de crianças mais pobres geralmente são mais assertivos no tratamento do que os de classe média e classe média alta.
— Eu atendi duas pacientes graves com TOC, ambas com compulsão de se lavar, uma na Santa Casa e outra no meu consultório particular. Ambas tinham 12 anos. Uma era filha de médica, ia para o consultório de motorista particular. A outra era filha de uma empregada doméstica. A médica dava para a filha dez litros de álcool por dia para ela tomar banho. A outra, que ia para o tratamento de ônibus e tinha pouco dinheiro, diluía o álcool porque não tinha dinheiro. A mãe médica era permissiva, trabalhava e nem sempre podia estar presente na vida da filha. Não tinha quem coibisse a menina de usar álcool para se lavar. A mais pobre teve muito mais adesão e já teve alta do tratamento. A outra mudou de médico, pois eu não atendo adultos, mas sei que ainda não teve alta.
Mas quando os pais devem ficar atentos?
— O primeiro alerta é o atraso na linguagem. Uma criança com 1 ano e 4 meses que não fala deve ser avaliada. É preciso atenção também se com um 1 ano e meio ela não mostra interesse em socializar. Na verdade, hoje sabemos que 70% dos adultos com transtornos psiquiátricos tiveram uma história na infância. Quanto mais cedo identificarmos esses transtornos, melhor a resposta.
Quando começou na profissão, Barbirato conta que não valorizava tanto a família quanto valoriza hoje para diagnosticar e tratar uma criança. E lamenta que existam pais que saem revoltados do consultório, quando ele indica terapia, porque desejam que o filho seja medicado, já que é muito agitado.
— A gente percebe que existem poucos pais que desejam ser pais. Eu fui um pai velho, com 42 anos, mas estava preparado. Deixo de fazer coisas de que gosto para ficar com meu filho, porque sei que ele precisa da minha presença. Tento dar o meu tempo para ele, o máximo possível, com qualidade. Mas tem que ter uma quantidade, claro. A qualidade também requer uma quantidade cada vez maior, dependendo da idade. Nem todo mundo tem coragem de abdicar da vida pessoal para cuidar do filho. Quem não tem, deve ter a coragem de assumir isso — diz o médico, lembrando uma pesquisa. — Segundo estudos, mais de 88% das crianças e jovens que fazem uma refeição por dia com pai e mãe não buscam a droga nem o álcool na adolescência e na fase adulta.
Para o psiquiatra, os pais não devem ser só “amiguinhos do filho”, porque crianças precisam de limite.
— Amigo não dá limite, então, não pode ser apenas amigo, tem que ser pai. O amigo está nesse contexto.
E cita, ainda, o pediatra Richard Burton, que, no século XV, já afirmava que os pais muito austeros e também os permissivos seriam agentes facilitadores dos sintomas depressivos-ansiosos da infância.
— Quinhentos anos depois, isso continua sendo a mais pura verdade. Quando o pai é permissivo, a criança não tem noção de limite. E, quando ela não tem o que deseja, se frustra, deslanchando sintomas de depressão e ansiedade. Já o pai muito austero não deixa que a criança crie uma estrutura para se impor. O efeito é o mesmo. A ideia é ter autoridade sem ser autoritário. Pior é quando um pai é permissivo e o outro austero, os dois se desqualificam para a educação do filho — analisa Barbirato que, duas vezes por ano, dá cursos para pais na Casa do Saber (o próximo será sem setembro) mostrando como educar os filhos no século XXI.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/numa-bela-historia-de-consultorio-sorriso-de-mateus-que-virou-jogo-5833049#ixzz24eZqhYds

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